Recentemente, ao julgar ordem de habeas corpus impetrado em favor de um dos investigados no âmbito da operação Lava Jato (HC 127.186), o Supremo Tribunal Federal substituiu a prisão preventiva imposta ao paciente pelo juízo de primeiro grau por diversas medidas cautelares, a saber: a) afastamento da direção e da administração das empresas envolvidas nas investigações, ficando proibido de ingressar em quaisquer de seus estabelecimentos, e suspensão do exercício profissional de atividade de natureza empresarial, financeira e econômica; b) recolhimento domiciliar integral até que demonstre ocupação lícita, quando fará jus ao recolhimento domiciliar apenas em período noturno e nos dias de folga; c) comparecimento quinzenal em juízo, para informar e justificar atividades, com proibição de mudar de endereço sem autorização; d) obrigação de comparecimento a todos os atos do processo, sempre que intimado; e) proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio; f) proibição de deixar o país, devendo entregar passaporte em até 48 (quarenta e oito) horas; g) monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica.

A par de outras questões polêmicas do julgamento[1], cujo acórdão ainda não foi publicado, interessa-nos a problemática envolvendo a medida cautelar diversa da prisão consistente na “proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio”.

Aparentemente, o fundamento legal para a imposição de aludida medida cautelar diversa da prisão possui previsão legal no artigo 319, inciso III, do Código de Processo Penal, que possui a seguinte literalidade: “proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante”.

Não há dúvida de que proibir o indiciado/acusado de manter contato com os demais investigados amolda-se com perfeição ao permissivo legal. Contudo, a proibição de manter contato com os demais investigados é compatível com o exercício da ampla defesa, de extração constitucional (CF, art. 5º, inc. LV)?

Nos parece que não, tendo em vista que um dos aspectos mais corriqueiros  e importantes do direito de defesa é justamente a possibilidade dos investigados traçarem estratégias de defesa conjuntas, diretamente entre si ou por meio de seus defensores.

Importante ressaltar que o direito constitucional a ampla defesa possui um conteúdo mínimo, que independe da análise da legislação infraconstitucional, como já o ressaltou o próprio Supremo Tribunal Federal (RE 345.580). Assim, independentemente de qualquer previsão legal, os investigados possuem o direito de conversarem entre si para, trocando experiências, produzirem a melhor defesa possível dentro do quadro fático-probatório dos autos.

Frise-se que essa atitude dos investigados nada tem de imoral, nem muito menos de ilegal. Em primeiro lugar, porque os investigados são presumidamente inocentes (CF, art. 5º, LVII), e como tal devem ser tratados pela autoridade judiciária. Em segundo lugar, porque à sociedade não interessa a condenação do inocente. Em terceiro lugar, porque a defesa é o signo característico do Estado Democrático de Direito, e o seu exercício é de interesse público primário, tanto quanto o é a punição dos infratores da lei penal, desde que, evidentemente, o contato entre os investigados se faça sem qualquer tipo de coação ou ameaça entre eles. Nesse último caso, o investigado ameaçado ou coagido passa a ser vítima de coação ou ameaça, justificando – e apenas nessa hipótese – a incidência do inciso III do artigo 319 do Código de Processo Penal. Fora dessa hipótese específica, a proibição de contato entre os investigados amputa o direito constitucional à ampla defesa.

O Pretório Excelso, como guardião maior da Carta Política e última trincheira do cidadão, não pode se descurar da análise e da aplicação da legislação processual penal com os olhos postos na Constituição Federal, sempre primando pela máxima efetividade dos direitos e garantias individuais.

Por isso mesmo, foi o próprio Supremo Tribunal Federal que, por meio de sua composição plenária, assentou, no julgamento do HC nº 86.864, que “compreende-se no direito de defesa estabelecerem os corréus estratégias de defesa”, ou seja, os investigados podem, legitimamente, estabelecerem contatos uns com os outros para o exercício de suas respectivas defesas.

Aliás, além de se tratar de precedente do pleno, a Suprema Corte afastou a restrição contida na súmula 691 de sua jurisprudência, sinalizando a toda a comunidade jurídica que impedir os investigados de estabelecerem estratégia de defesa comum não apenas é ilegal, como é manifestamente ilegal.

De tal sorte, a imposição de medida cautelar consistente na proibição dos investigados manterem contato entre si fere de morte o princípio da ampla defesa. Note-se que, nos termos da decisão exarada no HC 127.186, os investigados estão impossibilitados de contatar os demais investigados por qualquer meio, aparentemente impedindo que a defesa de um investigado converse com a defesa dos demais sobre os fatos que serão submetidos a julgamento, ou até mesmo sobre as teses jurídicas que poderiam ser esgrimidas por eles, o que se configura um completo absurdo.

Por outro lado, havendo um precedente do plenário do Supremo Tribunal Federal asseverando ser lícito aos investigados traçar estratégias de defesa conjunta, é de se questionar a competência de órgão fracionário do Tribunal para dizer o contrário.

Em suma, respondendo à indagação que dá nome às presentes reflexões, como regra geral, o poder judiciário não pode proibir o investigado de manter contato com os demais investigados, sob pena de grave violação ao direito de defesa, salvo no caso comprovado em que um dos investigados esteja ameaçando o outro.

Bruno Augusto Gonçalves Vianna
OAB/PR 31.246

Texto publicado por Silverio e Vianna Advocacia Criminal

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[1]  Por exemplo, se o judiciário poderia impor prisão domiciliar ao paciente e demais investigados fora das hipóteses do art. 318 do CPP